sábado, 2 de julho de 2016

Da Memória Intermitente

NOELL S. OSZVALD

O filamento incandescente da memória tem vindo a padecer de hiatos de intermitência entre as terras saudade e as terras do esquecimento. A ampulheta da cegueira partiu-se no meio do recheio do sótão desarrumado, deixando espalhados ao acaso os estilhaços do tempo da espera.
O fio do tempo desatou o nó da clausura, implodindo a cadeira vazia quase em estado de asfixia. Não lhe apetece escrever, não lhe apetece arrumar os cacos, não lhe apetece (re)lembrar, até porque isso implicaria repovoar a dor da saudade, mas também tem medo de esquecer e de cair no esquecimento, e a escuridão permanente está mesmo ali, na iminência de se instalar definitivamente.
À cautela, resta-lhe desligar o interruptor e acender uma vela no parapeito interior da janela, e, mais uma vez sabe que vai esperar que o destino fatídico se cumpra até à queda do último pingo de cera.