sábado, 16 de julho de 2016

Coração ao Largo

Marco Britto, em Photography by Fivehundredpx

Errar é humano, literalmente falando. E, tal acto ou acção é inata à condição humana, passo a redundância da expressão. Eu diria mesmo, que o erro é uma alavanca manca através da qual podemos tirar proveito de ensinamentos com vista a corrigir-mo-nos e a aperfeiçoar-mo-nos perante nós e perante os outros.

Ultimamente, tenho viajado muito dentro de mim, e de mim para mim, em busca do caminho certo para levar a bom porto a última etapa de uma jornada que tem sido longa, delicada e complicada.
O tempo no tempo é implacável quando o nosso tempo já vai para além da metade. É imperativo que dê da perna para me desembaraçar do que me pesa, do que me farda e do que me inquina a franca mobilidade, despenalizando o peso da consciência para outra instância. O  meu tempo é cada vez mais precioso, para me dar ao luxo de o desperdiçar. 
Está a olho visto, qual o meu próximo desafio afectivo; decidir racionalmente de facto e de direito a causa e o efeito, e agir a frio de coração ao largo, em espera calculada pelo repostar do outro lado, caso seja encetado.
O tempo e a experiência ensinaram-me a ver um pouco mais além, e a agir preventivamente, mas também me têm advertido que não sou imensa, que não consigo abarcar nem resolver todos os problemas em simultâneo, muito menos os de hoje e os de amanhã ao mesmo tempo, e, a vida não se compadece com o marasmo, nem com o deixa andar, nem com a falta de firmeza de decisão no momento exacto.   
Esta na hora de agir com precisão e de costas voltadas ao medo de cometer erros, e de prosseguir caminho por locais salubres e bem iluminados, de corpo leve, mente arejada e com o interruptor afectivo muito bem desligado; se bem que, preferiria mil vezes, calcorrear ruas antigas, estreitas e escuras, iluminadas por candeeiros obsoletos enluvados por teias de aranha. 

sábado, 2 de julho de 2016

Da Memória Intermitente

NOELL S. OSZVALD

O filamento incandescente da memória tem vindo a padecer de hiatos de intermitência entre as terras saudade e as terras do esquecimento. A ampulheta da cegueira partiu-se no meio do recheio do sótão desarrumado, deixando espalhados ao acaso os estilhaços do tempo da espera.
O fio do tempo desatou o nó da clausura, implodindo a cadeira vazia quase em estado de asfixia. Não lhe apetece escrever, não lhe apetece arrumar os cacos, não lhe apetece (re)lembrar, até porque isso implicaria repovoar a dor da saudade, mas também tem medo de esquecer e de cair no esquecimento, e a escuridão permanente está mesmo ali, na iminência de se instalar definitivamente.
À cautela, resta-lhe desligar o interruptor e acender uma vela no parapeito interior da janela, e, mais uma vez sabe que vai esperar que o destino fatídico se cumpra até à queda do último pingo de cera.