terça-feira, 28 de abril de 2015

Uma nova disciplina


























Título: Agony of embrace
Fotógrafo: Michael Lehrman
Colecção: Fotoblur

Sabias que já consigo rodar a cabeça
atrás do ombro
sem que me doa o pescoço?!
E apesar de ver mal ao perto,
vejo nitidamente as pegadas do passado
marcadas no corredor da memória
desembaraçadas das imagens da tua figura altiva.
E já consigo ouvir aquela música,
e ler aquele livro,
à sombra daquela mimosa florida
sem me ver invadida pela lágrima da nostalgia.
Imagina lá tu, que até já consigo deitar o olhar
sobra a tua fotografia amarelecida pelo mau tempo,
sem sentir um pingo de pena
esganada na garganta.
E já consegui (re)ler as tuas cartas,
aquelas tuas demoras de parcas palavras,
que imaculadamente sepultei
no fundo da última gaveta da mesinha de cabeceira,
sem lamentar sequer um dia
da espera perdida.
Quanta da minha santa ignorância te deu vida
em dias de sol e em dias de chuva!
A primavera foi em Maio,
informa o rótulo
do conteúdo fora de prazo.
Mas nada se perde, tudo se transforma,
segundo reza o princípio da conservação da matéria,
e, neste marear sem rota,
descobre-se a existência de uma disciplina nova,
a Estória.
Hoje, quando penso em ti, 
lembro-me que “teremos sempre Paris”.


sábado, 25 de abril de 2015

E porque hoje se comemoram 41 anos de Liberdade.















Celeste Caeiro a Mulher que baptizou a liberdade com uma Flor.
Bem haja.


Contam-se hoje 41 anos desde que o Largo do Carmo foi cercado por carros blindados e soldados. Celeste Caeiro florista a caminho de casa com um molho de cravos aconchegados no regaço foi interpelada por um soldado, que educadamente lhe pediu um cigarro.
Ao que Celeste, menina em moça ladina prontamente lhe respondeu;
- “Não tenho um cigarro, mas posso oferecer-lhe uma flor, que também se pode oferecer uma flor a um homem!”.
O soldado aceitou a flor e colocou-a dentro do cano silencioso da sua espingarda.
Um gesto simples, de gentileza estrema, que contagiou a alma de populaça, e ao que, e em menos que nada, vê-se o cravo empunhado na ponta de toda a arma e na mão da população por toda a praça.
Ora, como vêm, o grito da liberdade foi baptizado por uma flor à mão de uma mulher do povo, a tão nossa e maravilhosa Revolução do Cravo.
Mas hoje não venho aqui fazer relatos históricos, venho apenas dizer que nada tenho contra os dias da comemoração, até porque todos o fazemos quando contamos mais um ano de vida. Tenho para mim que os dias de comemoração são dias ímpares de excepção; acontece que a cidadania madura e a vida sadia faz-se Gente no dia corrente, à mão de gente simples, anónima e crescida. Tal e qual como diz o nosso saudoso, Zeca Afonso, Homem de luta que foi a par e a favor do povo, “O povo é quem mais ordena.”
Por isso comemoremos hoje, mais um ano de “liberdade”, mas há que não esquecer, que compete ao povo carregar no peito o seu verdadeiro conceito, e há que não esquecer também que compete ao povo, todos os dias a cada dia, arregaçar as mangas e tomar o poder da Flor à sua mão em prol de um país melhor.
Há que lutar diariamente contra a "liberdade" encapotada, que muito bom nome grita de mão levada ao peito, em proveito do engrandecimento próprio.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

E porque hoje é o dia mundial do Livro


























Título: Here comes the rain again
Fotógrafo: andy teo
Colecção: Flickr


E porque hoje é o dia mundial do livro, deixo aqui um poema extraído do livro de poesia contemporânea, "como uma flor de plástico na montra de um talho", da autoria da Golgona Anghel.

"QUANDO É QUE PERCEBES  DAQUILO QUE TE DIGO?
Falei de 200 livros, de musica, de futebol,
da Nossa Senhora, de esperas e fugas, 
de guerras e mamas.
Entreguei-te as minhas mãos, a minha cabeça,
as chaves do carro e, pior
a imaginação, como prova da minha ausência.

Cada dez segundos sai uma fornada de sentidos novos.
o que, diga-se en passant,
não é nada de extraordinário, 
pois cada um de nós tem uma fábrica caseira de sentido
e uma despensa onde guarda as certezas junto com as conservas.
Mas que percentagem de compreensão
há nesta sala de manicómio?
23%? 24%? 
Fiquei aqui fechada durante 350 mil horas, 
tomei 630 kg de comprimidos
e gastei 17 mil euros.
E, no entanto, estou mal. Estou cada vez pior.
Engordei, perdi cabelo.
Quando saí,
foi preciso comprar-me um vestido na loja mais próxima
para me sentir melhor". 

segunda-feira, 20 de abril de 2015

O estranho caso da chave saltitona – Capítulo XIV

Prólogo - Xilre
Capítulo I - Calma com o andor
Capítulo II - Dúvidas Cor de Rosa
Capítulo III - A Mais Picante
Capítulo IV - Mirone
Capítulo V - Pasme-se quem puder
Capítulo VI - A Uva Passa
Capítulo VII - Kiss and Make Up
Capítulo VIII - Amor Autista
Capítulo IX - Talqualmenteoutro 
Capítulo X - Linda Porca
Capítulo XI - Sister V
Capítulo XII - A elasticidade do tempo
Capítulo XIII – A vez da Maria

Capitulo XIV
























Título: Into the Light
Fotógrafo: Galeria de 5ERG10
Colecção: Flickr

Maria Eduarda sabia que aquela fugida de chave levada ao peito não podia ter lugar a despedida, pelo menos naquele dia.
Ela não quer só a chave, nem quer só a porta, ela quer o telhado, quer as paredes, as de dentro e as de fora, e também quer as janelas, aquelas de portadas exteriores abertas para o jardim, para o quintal, para as flores e para as árvores de fruto. Maria Eduarda em resumo quer a fechadura de um embrulho com tudo.
Sabe que o seu querer, carrega um peso que João Carlos poderá não ter capacidade, ou simplesmente, não querer comportar. À mercê daquela relíquia desde o momento que entregou o seu corpo ao jogo da sedução, Maria precisa de um porto seguro para dar guarida ao seu coração penhorado e à sua alma de menina frágil, já que o fogo da paixão, enquanto mulher segura, fez questão de o deixar bem acesso no corpo de João antes de decidir deitar mão à chave em busca da sua sorte.
Sabe que a saudade da ausência é a única arma que tem a seu favor para testar o sentir do homem que enverga aquela silhueta escultural de tez morena, semi-adormecida.
E de asa caída e coração apertado saiu, deixando atrás de si, debaixo da frincha da porta, um rasto de espectativa…que se pode vir a revelar perdida.

“Meu querido,

Quando deres por ti
o meu corpo 
não mais estará
presente aí contigo.
Mas…
Um dia quiçá,
amanhã ou talvez nunca,
irei colher uma lágrima tua
derramada na minha;
Nesse dia vou mergulhar
nos teus olhos rasos de água doce,
entregar-me nos teus braços,
e dar-te a remar
o meu amor para alto mar.

Até breve,
ou até nunca…

A tua

Maria Eduarda”

*(batata quente que me veio parar às mãos através da Maria Eu)

terça-feira, 7 de abril de 2015

Olhar Mendigo


























Título: Trauma – self-portrait
Fotógrafo: Cristina Otero
Colecção: Flickr

Já reparaste Maria, no olhar mendigo estampado neste rosto macerado pelo rigor do frio! Até parece o meu, rapariga...
Pois é Maria, aqui a palhaça, só tem um papel a desempenhar no recheio da arena, o de servir e o de fazer rir o umbigo farto da plateia. Acontece Maria, que mesmo toda a arte de circo carece de colo e de abrigo para manter o brio…

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Planos Paralelos






















“Power of Imagination” by Barbara Stéger

Quando dois planos paralelos
se intersectam,
inexplicavelmente,
o milagre acontece.
Ilusão ou não,
a impossibilidade
ganha corpo sobre a razão,
e, por instantes apenas,
o sonho pousa na palma da mão!