O deserto é um mundo imenso cheio de vazio dentro.
Tem horas do dia que o céu se confunde com a areia, iludindo o horizonte do
olhar com a imagem do mar, e, à noite, a plenitude do universo galáctico está
mesmo ali, ao alcance da mão.
Aquela beleza estonteante, camuflada de perigo, exala mistério e
desperta grande curiosidade ao “inimigo”. Há quem se atreva ao
desafio da sua descoberta, testando a sua capacidade de resistência. Já os mais “acanhados” preferem
esconder a falta de coragem, enfiando a cabeça na areia.
Pois é, o abismo é o copo vazio mais cheio que
conheço. Todos têm sede de o beber, mas nem todos tem audácia para o fazer.
O
texto que entendi também aqui partilhar convosco aconteceu em sede de resposta à pergunta lançada por Miss Smile, Porque Escrevo?
Ali, publicada originalmente.
Como
tive oportunidade de lhe confidenciar em privado, esta questão foi de grande importância
para mim. Obrigou-me a fazer uma viagem no tempo e a fazer o ponto de situação ao
meu eu afectivo, levando-me de encontro à capacidade, há já algum tempo perdida, de olhar-me nos olhos
de forma nua e crua sem ter medo de meter o dedo na ferida.
Concluí
por fim, que escrever deixou de ser uma necessidade para mim. Hoje nada mais é
que um registo avulso e escasso no tempo, com vista a perpetuar a memória da minha memória, para quando esta estiver falida. Mas se fizer uma análise, ainda mais
crítica, admito que este gesto de investimento interior não deixa de ser de igual
forma uma pretensa vaidade em me dar a conhecer a quem do outro lado me lê.
Com tudo isto, e por mais isto, por aqui, para já me fico, mas não fico sem deixar de desejar todo o
meu bem-querer a Miss Smile.
Se não fosses tu, Miss Smile, o meu eu não se teria
confrontado tão rápido.
O título da tua publicação que imputou esta pergunta poderia muito bem ser uma das minhas respostas, transferindo o sorriso como resultado de um registo escrito macerado. Mas essa realidade, hoje não é a minha verdade, acontece que a tua questão coloca-se hoje e agora, e hoje não te sei dizer o real motivo porque escrevo.
Se fizer uma análise retrospectiva e introspectiva sobre a questão, posso dizer-te que em tempo, não há muito tempo, mas há algum tempo escrevi muito num determinado registo. Fiz da escrita uma terapia afectiva, como quem procura a cura de toda a desventura na poltrona de uma consulta de psiquiatria.
Ao invés, a palavra assistiu-me como elemento medicinal cicatrizante. Quantas vezes, lambeu ela a minha ferida em tempo aberta, e outra tantas escoriações! Posso dizer-te que foi nos piores momentos da minha vida, de dor e de agonia que brotaram os meus escritos mais bonitos. Hoje, a ferida está cicatrizada e a sua marca permanece escarificada no corpo da minha alma. Não tenho saudades nenhumas desses momentos, longe de mim os quero. Agora tenho muitas saudades e sinto muita falta dos meus escritos mais bonitos. Olho para eles, e questiono-me de como fui capaz de conseguir tamanhas façanhas, algo de que hoje, não sou capaz.
A verdade é que cada vez mais, escrevo cada vez menos. A memória tem vindo a perder a capacidade de armazenar e de processar informação, e o tempo útil é canalizado de outra forma. E com isto te digo que a minha teia, a cada dia, está mais perto de deixar de ser tecida. Já muito vivi para o meio tempo de vida que já vivi, e já muito escrevi e já muito registei, mas redundância do meu sentir, remete-me hoje para o silêncio, sobe pena de não me querer ver como uma alma obsoleta, e de não me querer ouvir como um disco riscado perturbador.
Hoje, como te disse, não sei porque escrevo, o objectivo primeiro deixou de fazer sentido. Talvez escreva na tentativa de encontrar respostas a perguntas de rectórica; talvez procure atingir a paz no equilíbrio emocional e afectivo, ou talvez queira apenas deixar o meu registo escrito como prova de ter existido. Mas de uma coisa eu tenho a certeza, o meu escrito mais bonito, não será escrito, permanecerá imaculado no silêncio de uma folha de papel branca.
Sabemos bem o que não deve ser
feito.
Qual silêncio sobreposto,
qual grito aflito,
qual olhar imperfeito!
Coração que sente
não define conceito,
nem se exprime como mente.
A própria razão
desconhece a razão do seu próprio ente.
Coração que é alma de gente,
sempre se revela e sempre desmente
o que a palavra cala e não lhe consente.
E agora? Quando o consentimento da palavra não lhe for bastante e suficiente?
Deixar-nos-emos esvair por entre os dedos,
na hora do acerto dos ponteiros,
anichando de forma assistida
ao conforto da cobardia?
Ou será que nos permitiremos enfrentar
como se alguém nos espetasse o
dedo na ferida,
garantindo a coragem do ser grão
enquanto a vida nos respira?
A palavra tem a capacidade extraordinária de
condução, indução e de expressão. Esboça contornos, enche os egos da alma e
projecta expectativas viciantes na mente humana, como se de uma droga pesada se tratasse. Contudo, Maria “Papoula” tem um grande senão, o da não resolução da matéria em questão. Ainda que o seu efeito terapêutico seja de
grande motivação e o seu efeito alucinogénio não tenha asas de limitação, no que respeita à matéria da matéria inteira, verifica-se que a falta de
matéria deixa a matéria da matéria muito a desejar, e, toda a matéria que se quer corpo tangível por inteiro tem muita sede de gritar.
Pois será por conta do ópio, que a palavra se vê isolada para além da hora desejada, e, quando para além dela não existe mais nada, a alma esvazia e o
corpo ressaca.