domingo, 31 de maio de 2015

43 Years Walking In My Shoes

Fotógrafo: martina woll 
Colecção: flickr 

On our way, 
we can turn right, 
we can turn wrong;
or, we can choose 
not stop 
and keep going 
straight on
into the unknown.

Já vai a mais de meio da viagem em direcção ao cais de embarque. Cruzou entroncamentos, bifurcações, parou, olhou para todas as direcções, sentiu medos, dúvidas, e ainda assim, mesmo às cegas e às apalpadelas decidiu prosseguir caminho sempre em frente sem olhar para trás nem para os lados. Atravessou planícies, subiu e desceu montanhas, escalou escarpas rochosas, e nalgumas vezes esteve a um palmo do precipício. Acontecia quando o caminho não tinha saída. Nessas situações, sem dar tempo ao pensamento projectava uma via alternativa, que lhe permitiu até à data dar sempre a volta por cima. O fio do instinto sempre foi o seu escudo de sobrevivência.
Hoje, a mais de metade da viajem, sabe-se uma mulher plena e realizada. Tocou e foi tocada pela paixão, pelo amor, pela dor das perdas e das incertezas e pelo ódio também; levou sempre o seu motor afectivo ao limite desmedido. 
Na mochila que carrega, leva uma casa cheia, metade da sua história, muita saudade e muita vontade. Na bolsa da roupa miúda vão à mistura presas aguçadas, garras afiadas, os medos e as dúvidas. Nos bolsos não faltam o tabaco, a teimosia, o silêncio, a paciência e o tempo; tem esperança de um dia conseguir transpor o pontão de aço e a fasquia do seu melhor momento.
A única certeza que tem, é que sabe que o resto do caminho vai palmilha-lo como até aqui o tem feito, sempre a eito de cabelos soltos namorados ao vento e de olhos levados na ponta dos dedos…
O desconhecido é um mistério e o seu maior desafio.

sábado, 16 de maio de 2015

Maria Felina

Título: Self Portrait
Fotógrafo: Gosia Janik
Colecção: Flickr

Menina ladina, mulher sagaz e desconfiada, não se desvia de si nem por ninguém nem por nada. Herdara da sua mãe a garra, a determinação e a fibra, mas também o sorriso que ela não tinha…Quanto à insanidade e à loucura, essa (ir)responsabilidade é exclusivamente sua.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Das Viagens


























Mercuro B. Cotto

Quando as portas da alma
se abrem ao sorriso das estrelas,
às sedas da noite e ao agito dos dias,
nada mais há para escalpelizar,
e a palavra nada mais tem a acrescentar.
Só o sereno do tempo, 
a melodia do silêncio
e o mundo sensível, inteligível ao olhar
permanecerão vivos na memória
para além da incógnita silhueta
da morte.
(Que passe num sopro,
com mão branda e ligeira,
e me leve primeiro,
assim reza o meu desejo).
E o rosto de qual nome perpétuo 
entrega-se de corpo 
ao leito da terra e sai de cena...
E parte de "mala" aberta, a viagem 
para parte incerta,
deixando ficar para trás, 
acostado no cais da saudade, 
o batel do seu legado.

domingo, 3 de maio de 2015

Mãe, o Amor Incondicional

Porque o Ser Mãe é um Ser Amor...


















que acarreta a responsabilidade 
de uma difícil "Tarefa"...
"Tarefa" mais bela e mais gratificante que conheço. 


























O Miminho da Maria Beatriz (10 anos)


*

“Nem toda a Rainha usa coroa e a minha mãe é prova disso.
Eu acredito em amor à primeira vista, porque eu amo a minha mãe desde que abri os meus olhos.
Deus escolheu a melhor a pessoa do mundo para ser a minha mãe. Ver lágrimas nos olhos da minha mãe é como ter uma faca no coração. Minha heroína sem capa. Mesmo se o mundo estiver contra mim, eu sei que ela estará sempre do meu lado.
Meu Amor Eterno, eu aceitaria perder tudo e todos menos tu. 
Sabias que és a melhor coisa que tenho na vida?
O nosso amor não precisa ser perfeito, precisa ser verdadeiro.
Não precisa ser dia das mães, eu amo-te todos os dias.

Obrigada por tudo!”

O Miminho da Maria Inês (14 anos)


*

Ontem fui filha, hoje sou Mãe,
das minhas Marias e do meu Pai. 
E amanhã o que serei? 

Ainda me lembro
do tempo
da minha mochila de menina,
era pequenina
do tamanho de uma andorinha.
Lá dentro cabia,
tudo o que de bom no mundo havia;
vida, família,
bichos, amigos, lápis, 
cadernos e livros.
Do lado de fora as asas da rapariga
enchiam-me as mãos de alegria
com sonhos e fantasia.
Hoje, graúda e acrescida
parece uma baleia grávida da lua-cheia
por conta das mochilas
que no seu ventre carrega à boleia;
a Andorinha Arisca
a Gata Vaidosa,
e o Leão Aposentado.
Entretanto ao lado,
no atrelado, 
segue o Tornado Desenfreado
para ajudar a navegar o barco pesado.
E amanhã, o que dela será,
quando estiver
cegueta e a andar de muleta?
Restar-lhe-ão memórias?
Sentirá Saudades?
Ou será 
mais um farrapo velho, 
gasto e usado para deitar fora?

Mãe

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Vim porque me pagavam


























Título: The footworn shoes
Fotógtrafo: Irismanlost
Colecção: Flickr

E porque, hoje é o dia de homenagear o trabalhador, seleccionei para o efeito o poema de Golgona Anghel, "Vim Porque Me Pagavam", extraído do seu livro de poesia contemporânea com o mesmo nome.

"VIM PORQUE ME PAGAVAM,
e eu queria comprar o futuro a prestações.

Vim porque me falaram de apanhar cerejas
ou de armas de destruição em massa.
Mas só encontrei cucos e mexericos de feira,
metralhadoras de plástico, coelhinhos de Páscoa e pulseiras
de lata.

A bordo, alguém falou de justiça
(não, não era o Marx).
A bordo,  falavam também de liberdade.
Quanto mais morríamos,
mais liberdade tínhamos para matar.
Matava porque estavas perto,
porque os outros ficaram na esquina do supermercado
a falar, a debater o assunto.

Com estas mãos levantei a poeira
com que agora cubro os nossos corpos.

Com estas pernas subi dez andares
para assim te poder olhar de frente.

Alguém se atreve ainda a falar de posteridade?
Eu só penso em como regressar a casa;
e que bonito me fica a esperança
enquanto apresento em directo
a autópsia da minha glória".

Anghel, Golgona, Vim Porque Me Pagavam, Lisboa: Mariposa Azual, 2011.