sexta-feira, 12 de maio de 2017

Rosa Santa Teresinha


Como já tiveram oportunidade de reparar, e falo de quem me vai lendo neste mundo da blogosfera, que ando afastada e muito queda. 
Quando não há mote de inspiração, os acontecimentos relevantes do dia que nos tocam, por vezes são o suficiente, para que o dedo dê de si, e registe o momento capturado na objectiva das palavras.
Ora, desde o dia 5 de Outubro de 2015, o meu pai, o Zé, é utente residente, no Centro Hospitalar Conde Ferreira. De segunda a sexta-feira, passa o dia no Centro de Dia do Alzheimer, São João de Deus, onde almoça, lancha e janta e nos períodos intercalares faz actividades de estimulação cognitiva, terapia ocupacional e de fisioterapia (o Zé já não sabe andar, mobiliza-se em cadeira de rodas). Após o jantar, sobe para a enfermaria, João XXIII para pernoitar, e claro está, em dias de feriado e aos ao fim-de-semana, permanece o dia inteiro naquela enfermaria.
Desde aquela data a esta parte, a rotina do meu pai é aquela, e a minha, tem sido no sentido de articular a minha actividade profissional e a de casa com o acompanhamento presencial e sistemático que lhe faço, três vezes por semana.
Terças e quintas-feiras, saio do trabalho ao fim da tarde em direcção ao Centro de Dia, dou-lhe o jantar, levo-o a fumar nos jardins do recinto hospitalar, e por fim deixo-o na enfermaria, para dormir. Aos sábados, no período da tarde, faço-lhe a visita na enfermaria, e sempre que as minhas filhas e o meu marido têm disponibilidade, também vão ver o avô e o sogro.
Não desviando do assunto, nem do acontecido, e a título complementar, informo que aquele Centro Hospitalar alberga um número vasto de utentes, ora residentes, que em função das patologias de que padecem, estão agrupados por enfermarias distintas e específicas; ora alberga utentes não residentes, que são acompanhados durante todo o dia e continuadamente, de segunda a segunda no Hospital de Dia. O centro de Dia do Alzheimer destina-se exclusivamente a utentes portadores da doença de Alzheimer ou de outras demências em fase leve a moderada da doença, devidamente diagnosticada.
Pois então, ontem, quinta-feira, estava eu a tocar à campainha do Centro de Dia, quando de repente, em direcção a mim, vem uma jovem utente residente, com livre-trânsito de circulação extra CHCF, que me abordou de uma forma muito gentil.
- Estás tão bonita e elegante, hoje! Vieste ver o teu pai?
- Vim sim. Mas olha, tu é que estás muito bonita, respondi-lhe eu, com um sorriso ruborescido.
A jovem seguiu caminho, pelos jardins fora, eu entrei, e fui dar o jantar ao Zé.
Eu e o Zé após o jantar, já nos encontrávamos no espaço exterior, para ele fumar o seu último cigarro do dia, quando de repente, de lá vem novamente a jovem, agora em direcção a nós. Ainda nos oferecia uma distância de cerca de 5,00m e já acenava na mão esquerda uma rosa Santa Teresinha.
- Olha, olha, colhi esta flor para ti. Oferecendo-me aquela rosa com um sorriso franco e acolhedor...
Os meus olhos ficaram rasos de água, mas com um grande esforço, consegui impedir a precipitação das lágrimas rosto abaixo.
Agradeci aquele gesto genuíno com um beijinho e um abraço bem aconchegado ao coração. Ninguém faz ideia, mas os utentes que dão vida, aquele conjunto edificado centenário, são de uma genuinidade e de uma meiguice incalculável, apesar das graves carências afectivas de que são alvo, há anos.
- Estou a fazer tempo para ir jantar. Acrescentou ela.
- O meu pai já jantou, além do mais, o vosso jantar daqui a nada também é servido, já falta pouquinho.
- Pois é, o teu pai janta muito cedo. Olha, o teu pai é escritor? Perguntou-me a jovem com os olhos grandes, bem arregalados?
- Não querida, o meu pai em tempo foi engenheiro, agora só é o meu Zé!
- Sabes? Este fim-de-semana vou a casa, a minha mãe está doente.
- Faço votos das francas melhoras da tua mãe.
- Vou subir, aqui está muito fresco, rematou a jovem.
- Vai lá então. Bom jantar, e bom fim-de-semana.
A moça subiu para a enfermaria respectiva e eu fiz o mesmo com o meu pai quando ele terminou de fumar o seu último cigarro do dia.
Dali, fui para casa com a flor na mão, e com o coração bem consolado. Quiçá um dia, ganho coragem para aprofundar o tema e dar a conhecer uma realidade em presença dura, que quase ninguém conhece.

Obrigada a todos e bom resto de semana.

Sandra