domingo, 1 de fevereiro de 2015

Noite Sonhada

Sandra Louçano
Restaurante D. Tonho, Porto

A eternidade da espera, para estarmos juntos uma noite inteira, foi tão severa que sem mais delongas, despidos de todos os formalismos, entramos no primeiro recanto escondido que encontramos para jantar.
O restaurante de gastronomia típica regional oferecia uma decoração rústica e aconchegante, mesmo ao nosso gosto.
O teu bife de lombo ao molho de manga com batata a murro enrolada em prata, a minha espetada de lulas e gambas ao alho, e mais uns quantos vegetais salteados, foram entremeados entre vinho, palavras, olhares e sorrisos tímidos, como se fossemos dois perfeitos estranhos durante a primeira descoberta. A sala cheia acolhia os amantes num murmurinho de conversas mudas e ouvidos cegos aos olhos alheios.
Do lado de fora, a noite de Porto à sexta é palco eufórico onde os corpos extravasam de mais uma semana louca do trabalho. Prolongamos o prazer da conversa e saímos tarde. Não estava frio, mas para os lados da Ribeira o nevoeiro denso era quase certo;
- Um café?
- Sim, à beira rio, disse eu!
No Porto a neblina, do outro lado levanta-se o véu sobre o rio de mão dada com a maré.
Tomaste de imediato o café, gostas dele bem quente. Eu saboreei-o primeiro ao leve encosto de lábios e deixei-o arrefecer lentamente enquanto o bebericava de olhos postos na imagem do velho casario de granito, casado com o rio e de braço estendedido até ao mar.
A viagem de regresso não permitiu visualizar a amplitude daquela paisagem, mas a cegueira do momento guardou a contemplação de uma noite sonhada, enquanto a música de fundo trauteava alegria entre olhares que estenderam cumplicidades até de manhã.
Apesar do nevoeiro e do espelho negro, tudo à nossa volta estava muito claro aquela hora.