quinta-feira, 2 de junho de 2022

Maria Boneca – Capítulo I

Sentada na cadeira de baloiço, herança de sua avó paterna, simplesmente se quer só.
Embalada no tempo talhado daquela madeira maciça, a mesma dureza que lhe deu corpo à alma e lhe cristalizou o medo, esconde-se do mundo e deixa-se em espera. 
De olhos postos na janela e na porta do seu recanto, não ouve, não fala, não quer saber de nada, nem de ninguém, limitando-se ao gesto do balanço lento, em defensivas programadas. Sabe e sente que está para breve o presente do tão esperado momento. A brisa passou-lhe pela janela e materializou o Senhor que permanece do lado de fora à espera da sua mão aberta.
Sabe que após a batida da porta, lhe esperam uns vincos acentuados e uns quantos fios brancos a acrescentar ao seu olhar, e, sabe também que nunca há-de perder o sereno, mesmo que ao abrir da porta, se veja Maria Boneca morta.