segunda-feira, 14 de março de 2016

Dos mantos a retalho à pele que há em mim

Mercuro B. Cotto























Dizem que as palavras falam.
Há quem diga que umas contam estórias,
outras rejubilam actos heróicos nos gritos da vitória,
e outras há, que calam histórias
no silêncio da memória.
Agora, tem dias que as minhas falas
são que nem um punhado de areia seca
sem fio de amarração.
Escorregam-se-me
por entre os dedos da mão
e caem por terra sem pé no chão.
Ainda assim, nos dias assim-assim,
lá me saltam algumas palavras da gaveta,
alinhavadas uma-a-uma,
nas entrelinhas da seda da minha teia.
E, os mantos a retalho lá se tecem,
ora doces, ora amargos
consoante os âmagos
que me despem.
Mas todos os modelos me vestem.
(mesmo os que se mostram
mais desajustados e fora de prazo).
Uns aconchegam-me
a palavra ao corpo da alma,
outros, no lugar do olhar, desenham-me
círculos com buracos vazios.
E mais há, aqueles modelitos mais coloridos,
que sobreaquecem o vício do desejo
por debaixo da pele;
que ora me desperta o travesseiro
do desassossego,
ora me confunde a rosa dos ventos.
Por fim, para além da pele que há em mim
ainda me sobrevive o rasto
de um rosto marcado pela desilusão,
qual armadura mascarada na palavra não (con)sentida.
A tal indumentária que me capa
o silêncio do grito agudo,
rasgado na ferida.