terça-feira, 11 de agosto de 2020

CHCF 11/08/2020

Excepcionalmente, hoje deixaram-me vê-lo.
Acedi ao jardim do Centro de Dia do Alzheimer do Centro Hospitalar Conde Ferreira para o ver do exterior, através de uma janela de guilhotina antiga, reabilitada.
Estava sentado numa cadeira de rodas, próximo da janela, de corpo curvado sobre sim mesmo e sondado (para ser alimentado), e precisou de colaboração da enfermeira Cândida para que a interação entre pai e filha fosse bem sucedida.
Estava sonolento e prostrado, mas ainda assim, com um esforço sobre-humano cantou os parabéns pelo seus setenta e nove anos e atirou-me um beijinho num sorriso palido e esmorecido.

Este dia já ninguém nos tira, Zé, nem o maldito Covid 19!
Para o ano, se vida houver, cá estaremos novamente para comemorar o teu 80 aniversário, caso contrário, o teu legado está devidamente delegado❤️, até porque enquanto memória minha houver, ninguém te vai esquecer.

Parabéns Zé 😊🎂🍾

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Dá a surpresa de ser

Mercuro B. Cotto

























Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.

É a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?

Fernando Pessoa
[Lisboa, 1888-1935]